Você já parou para pensar o porquê de
estar na Umbanda e não no evangelismo, catolicismo, espiritismo, budismo?
Para entender melhor isso, dentro do
que nossa casa ensina, você precisa ir buscar um entender nas próprias
identidades das entidades de Umbanda; Caboclos, negros Africanos, Crianças,
Sertanejos, Ciganos, espíritos como Exus que trazem muito da magia ocidental
européia, etc.
Existe um porque de cada entidade se
identificar de uma forma, dentro de uma generalidade sempre sócio-cultural e/ou
racial. E as respostas não estão em roupagem fluídica e disfarces espirituais
de vestes X que o espírito usa quando quer, trocando conforme deseja para
passar “mensagens” morais e filosóficas com elas. Mas por que?
Muitos espíritas alegam que seja pelo
fato da entidade/espírito ser atrasado e preso ainda as vestes de sua
encarnação passada. Mas pergunto: por um
acaso, um espírito que se manifesta numa sessão espírita para aconselhamento
dos adeptos e diz ser Padre João Antunes, também não está usando uma identidade
encarnatória? Ou este espírito nunca teve outras existências e somente foi um
padre, um homem chamado João Antunes? Claro que não. Ele pode ter sido um médico
alemão, um soldado da primeira guerra mundial, um sapateiro judeu, um
comerciante árabe, um aborígene australiano, etc. Mas porque se manifesta como
João Antunes? Porque possivelmente está foi sua última encarnação ou possível a
mais adequada a usar para cumprir seu trabalho junto ao nosso plano carnal.
Poderíamos dizer que ele é atrasado porque é apegado a tal encarnação? Não.
Da mesma forma se processa com as
entidades sejam de Umbanda, Jurema, encantaria, etc. Porém há grandes e
viscerais diferenças que aí sim, separa uma doutrina de outra, fazendo com que
sejam de naturezas completamente distintas; a questão da manifestação de grupos
de espíritos sob um nome coletivo e uma relação ancestral com cada adepto e
fluxo energético invocado e manipulado nessas religiões, pois todas elas, tem
duplo caráter: natural (dos elementos da natureza) e espiritual (dos espíritos,
incluindo os dos próprios adeptos).
Ao contrário do que muitos podem
pensar, as entidades que se manifestam como caboclos, pretos velhos,
boiadeiros, ciganos, etc. não são ignorantes e sabem perfeitamente de sua
condição, de seu caráter espiritual e se reconhecem como espíritos possuídos de
“muitas outras existências”. Já passaram do período de “perturbação pós-
morten” e apresentam-se assim, por sua vontade de estar sob uma identidade
de uma encarnação que, onde está ligada a seus descendentes familiares comuns
aqui encarnados e estão ao seu auxílio e orientação.
Dentro desse panorama podemos
entender que a Umbanda é um culto aos antepassados de múltiplas naturezas: a
individual; onde a relação é entre adepto e suas entidades que se manifestam
através de sua mediunidade, estabelecendo grupos familiares distintos, dentre outros
adeptos e suas entidades também. Cada um pode trazer referências antepassadas
diferentes e daí talvez possamos vislumbrar porque muitos Pretos velhos trazem
em seus nomes, referências a locais africanos como: Congo, Guiné, Cambida,
Mina, etc.
Mas assim como temos um caráter
individual, temos também um caráter coletivo – espíritos ancestrais que trazem
a sabedoria e ciência natural medicinal para a natureza do corpo que reveste
nosso espírito. Como também uma reverência ao “espírito alma” de toda
consciência antepassada que através da interatividade entre vários povos e
inteligências, foram construindo o que hoje é o nosso lar, nosso mundo e toda a
tecnologia, ferramentas e condições de melhoria de vida do homem na terra,
contribuindo enormemente com o progresso de toda a humanidade. E nós, como
almas velhas e também antepassadas de nossa terra, não estamos alheios a tudo
isso. Fazemos parte dessa construção e quando cantamos, louvamos e
referenciamos aos antepassados
africanos, aos índios, mestiços, estamos também relembrando o que fomos, o que
também somos nós, em outros estados de consciências e sabedoria secular. A
Umbanda por si só, tem todo um caráter de culto e louvor, de integração com a
natureza do meio ambiente, da natureza de nosso ser, em ressonância com nossa
família ancestral.
O dia a dia de um Terreiro de Umbanda é FAMILIAR.
Todo o cotidiano de uma casa de
Umbanda, assim como de Candomblé, é de cunho irretocavelmente FAMILIAR. A casa
é mantida por todos e tudo é partilhado, dividido. Cada um sabe o seu papel e
função dentro do grupo. Há sempre um “pai” ou mãe” daquela família que cuida
dos filhos, sabe observar o que cada um tem de melhor e valorizar isso. Assim
como sabe de suas limitações e tenta conduzi-lo para a superação e
aprimoramento, respeitando os limites da natureza íntima de cada um. O objetivo
primordial de uma família Umbandista, é estabelecer muito bem claro que ali há
uma FAMÍLIA , em toda a concepção que essa palavra representa. E essa família
tem duas naturezas; carnal e espiritual. A espiritual ajuda a unir os parentes
encarnados e os guiam para o melhor ao nosso próprio caminhar encarnatório,
para o grupo e para a humanidade, quando o grupo familiar está preparado para
isso.
E o atendimento prestado aos
necessitados que batem a porta da Umbanda tem grande valor. Primeiro que é o
grande aprendizado para o médium, e todos os adeptos da casa. E segundo; não
vamos esquecer que semelhante atrai semelhante. Podemos cruzar pelos terreiros,
e suas giras de atendimentos por muitos irmãos de outrora, que atraímos para nós ou fomos atraídos, para
ajudar a seguir adiante, pois como velhos conhecidos, sabemos mesmo que no
inconsciente de suas necessidades.
Muitas pessoas vagam como almas
moribundas e desorientadas, aqui e ali. Buscam soluções milagrosas aos seus
problemas do dia a dia, querem ser ouvidas, compreendidas, afagadas. E muitos
outros querem fazer da Umbanda e dos espíritos que ali trabalham como
prestadores de serviços. E as causas são 90 por cento das mais egoístas e
materialistas. Essas pessoas não
despertaram para a importância espiritual e estão iludidas com o senso comum de
séculos de preconceito contra as religiões de matrizes afro-brasileira, as
tratando quem sabe, como os velhos senhorios que usavam as negras escravas para
satisfazer suas vontades apenas e as deixavam como um objetivo de uso e
descartável. Quando precisarem de novo, saberão onde buscar. Assim se comportam
muitos e muitos que batem a porta dos terreiros. E lhes pergunto: você acha
coerente: anos de dedicação, amor, abnegação ou limitações de várias coisas
para se dedicar de corpo e alma a uma religião cujo único objetivo é curar a
dor de barriga e vontades mesquinhas, vaidosas ou egoístas do maior percentual
das pessoas que procuram os terreiros? Será que é pra isso que as entidades
“baixam”? Para falar sobre futilidades; se fulano passará na prova, se cicrano
está no curso certo, se deve casar, se o marido está traindo, se o bebê é
menina, se o namorado voltará, como prender o amado, e pasmem; nesse tempo de
mediunidade, até pedido para ajudar a ganhar na mega sena já presenciei. Nós
estamos no terreiro para isso? Nossas entidades estariam? Elas atendem as pessoas
conforme suas necessidades e não conforme elas querem. Por muitas vezes, tais
diálogos do cotidiano servem como “pano de fundo” e através dele, vem tantas
palavras e ensinamentos subliminares, mas que muitos ainda não tem capacidade
de absorver, tão envolvido no imediatismo de sua própria vida materialista. Mas
será que toda a dinâmica de interação entre médium, entidade, terreiro é algo
muito mais profundo que isso, e a
relação que para muitos é o objetivo primordial da Umbanda, que é a relação
entidade-visitante é, na verdade, uma
conseqüência de um processo muito mais íntimo entre adeptos e os mentores
espirituais?
Entendam: muitos passarão pela Casa
da Vovó Catarina, pela casa do Caboclo Sucuri, pelos Terreiros de Umbanda a
fora, e muitos pegarão ou não algum ensinamento se tiver abertura para isso. E
não irão voltar mais. Por que? Por duas pequenas razões: ali não é sua família
espiritual, ou se é, ele ainda não está preparado para ver, enxergar e abraçar
seus velhos irmãos, pais, avós, tios. Muitas e muitas voltas a vida pode dar,
para anos ou décadas mais tarde, se estar quem sabe, pronto para estar no meio
de sua família novamente. Ou então, sua família não está na nossa raiz, mas no
budismo, no taoísmo, no catolicismo, evangelismo. Todas as religiões são raízes
que nos conduzem aos troncos de registros mentais, que umas, mais que outras,
estão em comunhão com o nosso atual estado mental-espiritual. E por isso, todas
são maravilhosas. E quando você encontra sua família, como a sua vida se enche
de alegria, de paz e contentamento. Eu encontrei a minha e isso preencheu e
modificou minha vida e meu ser de forma sublime, e sei que ainda o modificará,
pois muitas maravilhas ainda será despertada no seio de meus familiares
ancestrais. Aqui é minha casa, é onde está minha alma, minha paz, minha
alegria, minha força e entusiasmo de vida. E quando você encontrar sua casa,
sua família, seus irmãos, pais, mães, avós, terá orgulho de dizer o que é, a
qual família pertence, e o nome que ela tem. Da mesma forma que temos orgulho
de dizer que somos filhos carnais de “João da Silva”, de “Maria de Sousa”,
sentiremos orgulho também e não esconderemos que nossa família se chama
Umbanda, que sua casa é X, que aquele Beltrano é seu Pai espiritual, que aquela
é sua Irmã de fé. Mas enquanto não assumirmos verdadeiramente para nós primeiramente
e para outros, o que somos espiritualmente falando, dentro de nós ainda está
faltando a certeza de que ali está o seu amor, a sua alma, e que seu ser está
entre parentes, entre irmãos, unidos pelo amor comum, pelo tronco familiar
comum para trilharmos juntos essa grande aventura e fantástica viagem chamada
VIDA. Este núcleo nos ajuda a nos compreendermos melhor, a entender o meio e
nossa relação com ele. Ajuda-nos a harmonizar, a nos equilibrar e nos acolhe a
alma para partilharmos momentos de vitórias, alegrias, e nos animar nos
momentos de dificuldades e obstáculos. E ao contrário do que a maioria de fora
(e diga-se de passagem, muitos de dentro também infelizmente) entende e quer
fazer de nossa crença, um balcão de milagres e trabalhos de magia. Procuram a
Umbanda para consultar as entidades e dirigentes espirituais para fazerem
trabalhinhos para isso e aquilo, para o amor, para conseguir uma vaga acima da
sua, para arrumar emprego, para passar numa prova, para tirar alguém de suas
vidas, um rival, etc. Mas não esqueçam que a Umbanda é uma religião tal qual as
outras; existem para nos conduzir ao equilíbrio e harmonia interior, a
encontrar o sagrado divino dentro de nós e no plano invisível. Mas infelizmente
muitos entendem que cuidar do espírito e “buscar a Deus” é na Igreja e na
Umbanda você vai quando tiver precisando de um trabalhinho ou saber de alguma
coisa. Na maioria das vezes, de caráter fútil e corriqueiro. E enquanto nós
Umbandistas alimentarmos esse tipo de comportamento e não esclarecermos ou procurar
promover uma “reeducação”, esse panorama não irá mudar. Mas irmãos, não nos
esqueçamos que, a reeducação precisa começar de dentro para fora. Não adianta
nada lutarmos em prol de movimentos contra intolerância, aceitação, se nós que
somos “o movimento de umbanda”, continuarmos com visões, comportamentos e idéias
distorcidas sobre nossas práticas e filosofia espiritual.
Não esqueçam que um Terreiro de Umbanda é um núcleo de irmãos, familiar nunca. E não um local onde você vai periodicamente "se tratar" porque assim "o orixá, o Exu X pediu e orientou. Não é local para simplesmente ir para tratar sua mediunidade porque não tem outro jeito e estão cobrando isso de você. Uma das bases filosóficas de nossa casa e de visceral importancia para nossa guia chefe, é justamente dar a liberdade de escolha para aqueles que ingressarem como adeptos de nossa casa, o faça por amor e afinidade com a religião e filosofia que nossa casa comunga. E não por obrigação e cobranças espirituais, seja de que ordem for. E a relação é superficial, até porque o indivíduo vai a contra gosto, porque se sente pressionado e acuado para ir, pois caso contrario entende que sua vida "irá dar pra trás e as doenças irão se instalar". E aquela pessoa não se integrará como membro de uma familia e sim, como visitante.
Mas deixemos esse
assunto pra ser tratado com maior esmero em outra oportunidade. Voltando ao
assunto: família, deixe-me perguntar:
E você? Já encontrou sua família e a
assumiu pra si e para os que lhe são queridos? Pense, reflita, ouço o seu
coração e ele te dirá. Por isso é tão importante não ter vergonha de ser o que
é, o que pratica, pois se as pessoas ao seu redor lhe amam, mas amam de
verdade, irão respeitá-lo pelas suas escolhas do que lhe faz feliz, do que lhe
dá alegria e paz. Mas se esse reconhecimento não chegou e você ainda tem medo,
vergonha, e não sabe exatamente o que dizer quando lhe perguntam sua religião,
crença, algo dentro de você precisa ser Reconheça a sua família espiritual, se
entregue a ela, e sinta a retribuição em amor e semelhança. E o resto
acontecerá naturalmente, quando esse sentimento que você tem ai, quando essa
memória que você tem adormecida despertar, você verá como é bom dizer: sou
Umbandista por amor e para o amor dos meus antepassados, dos meus semelhantes,
e de mim como ser antigo vivente no mundo.
E quando este dia chegar, não importa se você é médium incorporativo, ou
é se assistente de terreiro. Você de fato
e sem reservas entendeu o significado da Umbanda em sua vida, em muitas vidas,
em nossa terra. Porque ela, assim como
muitas outras religiões e cultos, somente existe por uma coisa chamada tronco e
memória ancestral que está em mim, em você e no espírito que baixa num terreiro
dizendo se chamar Tupinambá. Até porque, se o povo africano não tivesse vindo
para o Brasil, os nativos da terra, não fossem os índios, e nossos
colonizadores não fossem portugueses, seríamos um povo de cara diferente,
costumes e crenças diferentes. E pense se existiria a Umbanda como ela se
manifesta hoje em nosso país. Porque a religião está interligada a formação de
determinado povo, e por isso mesmo, é parte do estudo dos povos nas faculdades
de ciências humanas. Não pensem que as religiões são puramente “transcendentais”,
desvinculadas de nossas crenças e formação cultural como gente, cidadãos de
determinada região. O meio influencia o todo e as religiões são expressão também
dessa formação humana que começou a ser montada a muitos e muitos séculos atrás
e por isso mesmo, tem seu caráter ancestral. Eu tenho orgulho de dizer: “sou
afro-ameríndia, sou parte de todos os elementos, parte do criador, parte de ti,
e você é parte de mim! Axé, Adupé, Saravá, Namastê, Shalon, Amém.
Ana Araújo
Somos um universo inteiro de
inteligências, consciências, histórias, pois somos espíritos livres, e
imortais. E quando todas as religiões do mundo acabar, quando o nosso próprio
mundo acabar, ainda sim, existiremos e o que nos re- unirá, será justamente a
nossa memória ancestral, e, é exatamente isso que nos dá e dará identidade e
individualidade no meio de milhares e milhares de centelhas disformes de luz
radiante.
muito bom, pena que muitos não pensam assim, mas acredito que um dia não muito longe estaremos mais unidos, mas sempre vai depender do exemplo que dermos.
ResponderExcluirEmbora o texto não fale diretamente sobre esse assunto, mas.... se começarmos a nos preocupar mais com a conscientização de uma série de coisas internamente, dentro de nossos terreiros, incluindo a desmistificação e muitas posições preconceituosas entre os próprios adeptos do terreiro, estaremos mais próximos de sermos respeitados por outras instituições religiosas. Para revindicar algo é preciso primeiro estendermos o que é e pratica-lo dentro de nossa própria casa e dentro de nós.
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